Um olhar sobre a série protótipos de Lewis Baltz

Lewis Baltz era um fotógrafo americano, nascido no sul da Califórnia, em 1945. O ingresso no mundo da fotografia aconteceu após a morte de seu pai, aos 12 anos. A sua obra, gira em torno de temas relacionados a paisagem urbana dos Estados Unidos durante os anos de 1970 e 1980. Baltz tinha um desencanto pela transformação desta paisagem em terrenos sem fim, populados com arquiteturas comerciais anônimas.

Todo seu trabalho é focado na busca pela beleza da desolação e destruição. As imagens de Lewis Baltz descrevem uma arquitetura dominada por escritórios, fábricas e estacionamentos, com uma esterilidade aterradora. Suas fotografias são o reflexo do controle, poder e influência pelo e sobre os seres humanos.

Este artigo é o resultado de um exercicio de reflexão, utilizando a interpretação de Didi-Huberman na análise das imagens da série “Protótipos” de Lewis Baltz. Está dividido em duas partes:. Na primeira parte , apresento uma reflexão sobre a análise da imagem e conceitos como rasgadura segundo Didi- Huberman . Na segunda parte realizo o exercicio da dialética do olhar de Didi na serie Protótipos de Baltz.

UMA RASGADURA…

George Didi-Huberman nasceu em Saint Etienne, na França, em 1953. Era filho de um pintor e passava horas limpando pincéis no seu ateliê. Vivia em galerias de arte e museus circundado de belas imagens. Por outro lado, sua mãe tinha uma biblioteca, o que le proporcionava o contato com muitas imagens de Guerra e dos campos, imagens essas que nunca conseguiu entender muito bem. Descendente de judeu alemão, seu avô morreu em Auschwitz., lugar que visitou depois e que deu origem ao conto “cascas” , que mostra bem como ele pensa as imagens. Toda a obra de Didi-Huberman levanta um olhar poetico e critico sobre a humanidade. George Didi-Huberman é um filósofo e historiador da arte, com inúmeros livros publicados.

Ele nos recorda que em francês a palavra voir (ver) rima com a palavra savoir (saber), e se tomarmos por base as imagens, o olhar nunca é neutro ou desinteressado. Diante das imagens, buscamos o visível juntamente com palavras, pensamentos e conhecimento.

Didi-Huberman nos convida a questionar a certeza que temos diante do visivel e propõe uma incerteza através de uma uma rasgadura do olhar, fazendo-nos não pensar a imagem mas pensar por imagens. E este exercicio de abrir e desdobrar as imagens faz com que se possa redescobrir novas perspectivas para a mesma. Em “Diante da Imagem”, Didi-Huberman (2010), trata de uma nova forma de olhar as imagens da arte, através do rompimento com a caixa de representação, proposta por Kant. Neste sentido , o pensamento pode estar baseado no saber e estaria fechado na caixa da representação, ou na renúncia dessa história, na própria imagem, como um rasgo.

PROTÓTIPOS

Baltz começou a fotografar sua série Protótipos em 1967, quando estudava na São Francisco Art Institute e continuou com este trabalho até obter seu mestrado na Claremont Graduate School in 1971. As imagens produzidas por Baltz são “close-ups” de prédios, na Califórnia.

Os estudos sobre a análise da imagem nos mostraram a importância de considerar o contexto histórico nas interpretações. Utilizando a interpretação dialética do olhar de Didi-Huberman, iniciamos a nossa análise com leituras em camadas. Uma primeira camada interpretativa para as imagens, em questão, de forma objetiva e fria, nos mostra uma serie de fotografias de paredes de argamassa, paredes laterais de depósitos, anúncios vazios, e outras formas geométricas encontradas nas paisagens dos subúrbios da Califórnia no pós Guerra.

Essa série foi intitulada de Protótipos, em referência aos modelos industriais pré-formatados, replicáveis, encontrados ao longo da California nesse periodo e a cura moderna que os gerou.

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No trabalho de Lewis, vemos imagens de fábricas, enquadradas, tomando todo o espaço do quadro como que nos limitando o olhar. As paredes das fábricas , nos envolvem, sem que possamos aprende-las, apesar de serem um objeto visivel, no sentido exibido e delimitado.

Essa experiência visual causa inquietação e ,  abre um vazio. Didi-Huberman detecta duas atitudes em relação a esta inquietação. Uma , que vai querer ver sempre alguma coisa além do que se vê e, a outra , que pretende não ver nada além da imagem (tautologica).

“O ato de ver não é o ato de uma máquina de perceber o real enquanto composto de evidências tautológicas. O ato de ver não é o ato de dar evidências visíveis a pares de olhos que se apoderam unilateralmente do dom visual para se satisfazer unilateralmente com ele. Dar a ver é sempre inquietar o ver, em seu ato, em seu sujeito. Ver é sempre uma operação de sujeito, portanto uma operação fendida, inquieta, agitada, aberta. Entre aquele que olha e aquilo que é olhado”. (DIDI-HUBERMAN, 2010,p.77).

Ao olhar as fotografias desta série de Baltz, desafiando esse valor tautológico, percebemos que “diante dessa forma perfeitamente fechada, e autoreferencial,que alguma outra coisa poderia de fato nela estar encerrada…”(DIDI-HUBERMAN, 210,p.118), é como uma perda, e através da associação de ideias que a imagem lança,com uma carga de sintoma, o que nos escapa além do visivel?

Sente-se uma angústia, uma solidão ao penetrar pelas paredes desses prédios. Não vemos pessoas nas imagens, mas podemos imaginar que elas existem, não visiveis. Neste sentido, a parede-imagem, delimita um depósito ,de pessoas, de vidas paralizadas no tempo, aprisionadas naquele espaço, não visiveis.

Não podemos ver as pessoas, nem sabemos dizer se elas podem nos ver, talvez através de uma fenda, se existir uma fenda, parecem tão bem lacradas… mas as paredes, estas sim, nos olham, e fazem expandir nosso imaginário de quem vê e é olhado.

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As imagens , na maioria não possuem janelas ou portas, e quando possuem parecem lacradas como que impedindo quem lá estiver de sair. São como prisões, desprovidas de vegetação ao redor, duras, herméticas, frias, e sem qualquer apelo humano.

“ O motivo da porta é , por certo, I memorial: tradicional, arcaico, religioso. Perfeitamente ambivalente (como lugar para passar além e como lugar para não poder passar), utilizado assim em cada peça, em cada recanto das construções míticas” […] “É que a porta é uma figura da abertura – mas da abertura condicional, ameaçada ou ameaçadora, capaz de tudo dar ou de tudo tomar de volta. Em suma , é sempre comandada por uma lei geralmente misteriosa”. (DIDI-HUBERMAN ,2010, PG 234)

Ao olhar essa imagens, imaginamos quantas pessoas podem estar enclausuradas nestes prédios e quantas horas devem passar sem ver a luz do dia… A textura das paredes , remete a idéia de que as mesmas foram rebocadas `as pressas, feitas com material barato, como que se não fosse importante a sua durabilidade mas sim o seu imediatismo, para , aprisionar as pessoas…

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Numa sociedade, a modernidade pode estar associada a essa falta de liberdade.

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Como dizia Baltz:

“Esse era o país mais rico e poderoso do mundo,e o que construia? Shopping Centers, conjunto de casas idênticas, parques industriais”.(REVISTA ZUM, n8, pg 110).

Essas construções industriais, padronizadas, limitantes, são como um cancer, que se espalha, sem controle, tornando a vida dos seus habitantes restringidas, e nossa vida de alguma forma também…

O exercicio da análise da imagem não é uma tarefa simples, requer compreender que toda imagem tem uma razão de ser. Ao buscar analisar uma imagem buscamos por sintomas deixados pelo seu autor e concordamos com o defendido por Didi-Huberman de que apenas as análises iconológicas e sociológicas tradicionais não dão conta de sua totalidade como imagem. Nesse exercicio nos valemos de nossas crenças e podemos acreditar existir algo mais além do que estamos vendo.

“Didi-Huberman deixa clara a preferência pelo que chama de “olhar arqueológico” sobre as imagens e o mundo. Warburg via as imagens como objetos arqueológicos. Em cada imagem que olhamos e relacionamos com outras imagens e textos, podemos descobrir pontos de convergência de múltiplas temporalidades diferentes.
Analisar imagens antigas é como andar por uma ruína. Quase tudo está destruído, mas resta algo. O importante é como nosso olhar põe esse algo em movimento. Quem não sabe olhar atravessa a ruína sem entender.” (GEORGE DIDI-HUBERMAN, <http://oglobo.com/blogs/prosa/posts/2013/03/16/georges didi-huberman-fala-sobre-imagens-memorias-do-holocausto-489909.asp>

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