Eles chegam sem chamar a atenção,  param em uma vaga e ficam meses por lá, tornando-se parte da paisagem. Ocupam a vaga com imponência, independente de sua condição, tem uma presença, ocupam seu espaço. Serviram a seus donos, mas agora, foram descartados, relegados a sua própria sorte, esquecidos, serão mutilados,  serão pichados, serão usados como referência mas, também, serão menosprezados pela vizinhança, pois incomodam,  criam ruídos na paisagem, são monumentos da modernidade que descarta tudo.

Andando pelo meu bairro, comecei a perceber carros estacionados que não se moviam e iam com o passar do tempo acumulando poeira,  sujeira, aderindo cada vez mais ao asfalto, como que se apropriando daquele espaço. De tempos em tempos, mais um carro aparecia. Foi então, que resolvi, numa tarde de maio, fazer um inventário desses carros. De posse de uma câmera fotográfica, comecei a percorrer a pé as ruas do bairro, fotografando e anotando o tipo de carro e as ruas em que se encontravam. De repente me tornei uma “voyer” de carros abandonados,  me peguei imaginando a história de cada carro, a personalidade dos seus  donos,  seus momentos de glória. Para minha surpresa, registrei 7 carros e, o mais interessante,  todos de cor escura.  Será que existe preconceito de cor também com carros?

Numa sociedade em que se descarta animais e até filhos, não devemos ficar surpresos com o abandono de carros. Todos nós temos nossos relacionamentos,  memórias e sentimentos sobre carros e, quando vemos essas fotografias, trazemos isso conosco.  As imagens nos convidam para refletir sobre essa sociedade do descarte que estamos construindo. Será que não acabaremos por pagar um preço muito alto por tudo isso?

Fotos by Mirian Guimarães